Salas de Cinema

Análise de concentração de empresas na área da Cidade do Rio de Janeiro

A sala de cinema é um equipamento urbano coletivo de lazer que se agencia às configurações de bairros, praças e ruas de uma cidade, participando das produções de laços de sociabilidade, trocas afetivas e memórias pessoais e coletivas. A cidade do Rio de Janeiro foi um dos primeiros locais do Brasil, e do mundo, onde este dispositivo de exibição de filmes rapidamente se entrelaçou aos hábitos dos indivíduos, angariando importância não apenas na formação dos lazeres citadinos como também em âmbitos políticos, econômicos e territoriais. Não é à toa que a formação da Cinelândia, a urbanização de bairros suburbanos, o desenvolvimento da Tijuca etc. sejam historicamente tributários da abertura de cinemas de rua, que à medida que apareciam nas calçadas se aliavam a outros elementos do urbano, como comércios e meios de transporte.

A partir dos anos 1980, com mais intensidade, os cinemas de rua passaram a ser excluídos dos cenários da cidade, migrando para dentro de espaços fechados de lazer e compras. Tal “migração” não escondeu uma reorientação dos destinos da cidade em face de aspectos como uma cruel especulação imobiliária, a privatização dos espaços, a priorização de lazeres cada vez mais domésticos, o esvaziamento cultural, as segregações socioculturais, raciais, econômicas e territoriais que assolaram, e ainda assolam, o Rio de Janeiro.

Apesar de um passado de perdas e diante de um horizonte repleto de novos desenhos mercadológicos e tecnológicos do setor exibidor cinematográfico e audiovisual, é urgente considerar a sala de cinema, comercial ou pública, um agente promotor do urbano. Essa é uma tarefa que já vem sendo desempenhada por diversos atores sociais em variados lugares do mundo. Cada vez mais ouvimos notícias sobre reaberturas de históricos cinemas, ocupações culturais de prédios de ex-cinemas abandonados, patrimonialização de cinemas inoperantes com alto valor arquitetônico e projetos de proteção de antigos cinemas com forte importância imaterial para moradores de determinadas localidades. Iniciativas envolvendo governos, ONGs, associações de moradores, empresas, comunidades de cinéfilos pululam hoje entre ações e discussões pró-cinema.

É mister lembrar que um cenário exibidor verdadeiramente democrático deve considerar também o circuito cineclubista como um catalisador de forças que pode atuar na promoção de cidadania e acesso à cultura e lazer, principalmente em áreas desassistidas pelas inciativas do poder público e do interesse privado.

O fato de hoje o Rio de Janeiro abrigar 214 telas não corresponde a uma distribuição justa de cinemas e complexos de salas pelas diversas zonas e bairros da cidade. Atuar em benefício da desconcentração do parque exibidor e da produção de um mercado que atenda tanto à pluralidade socioeconômica da população carioca quanto à necessária programação de filmes brasileiros é um caminho de desafios e estratégias a ser trilhado por todos nós que produzimos pensamento e nos emocionamos dentro de uma sala escura, sempre saindo delas, ao final da sessão, mais culturalmente abertos e ricos.  

DSc. Talitha Ferraz
Doutora e Pesquisadora do Laboratório Lembrar